O desafio dos dados abertos para monitorar a qualidade do ar em SP

A poluição do ar é um dos problemas de saúde mais graves dos nossos tempos. Embora invisíveis, pequenas partículas de poeira – 2,5 micrômetros de diâmetro – são consideradas a quarta maior causa de morte em todo o mundo. A Organização Mundial da Saúde estima que doenças respiratórias são responsáveis por 2,9 milhões de mortes por ano.

No entanto, apesar da gravidade do problema, conseguir informações precisas e localizadas sobre a qualidade do ar é difícil, se não impossível. Mesmo quando fornecidos por governos ou pesquisadores, os dados tendem a representar grandes ambientes, em vez de locais específicos. Na cidade São Paulo, como mostram informações da plataforma OpenAQ, existem 19 estações de monitoramento e apenas 9 delas realizam as medições do material particulado 2.5 (PM 2.5).

Com isso em mente, o Código Urbano trabalhou nos últimos 18 meses com a rede Earth Journalism Network (EJN) para experimentar o uso de sensores de baixo custo para identificar problemas de poluição do ar em São Paulo. A EJN, projeto da ONG Internews tem trabalhado ao longo dos últimos três anos para envolver pesquisadores e líderes de tecnologia social em lugares como Ulan Bator (Mongólia ), Jacarta (Indonésia) e São Paulo. Em parceria com o engenheiro Matthew Schroyer, a EJN desenvolveu o DustDuino, um sensor de partículas que utiliza um microprocessador Arduino adaptado para enviar dados de qualidade do ar em tempo real para a internet.

O vídeo abaixo conta mais sobre o conceito do projeto e a implementação em São Paulo.

Em abril de 2014, com o apoio do Feedback Labs, o Código Urbano se juntou ao “Make Sense”, um consórcio para testar a hipótese de que sensores de baixo custo poderiam ser usados para melhorar a capacidade de resposta à poluição do ar. Um conjunto diversificado de parceiros – incluindo Frontline SMS, SimLab, a Iniciativa Ground Truth e Development Seed – foram mobilizados para contribuir para a criação de uma rede de sensores piloto em SP.

Nos 18 meses seguintes, os parceiros projetaram e fabricaram um protótipo do DustDuino e desenvolveram o site OpenDustMap.com para exibir leituras dos dispositivos. Além disso, um manual para o uso do sensor foi escrito.

Poster sobre os efeitos da poluição do ar sobre a saúde e o funcionamento do DustDuino. Por Luiza Peixe/Código Urbano
Poster sobre os efeitos da poluição do ar sobre a saúde e o funcionamento do DustDuino. Por Luiza Peixe/Código Urbano

Ao implantar o DustDuino em São Paulo, a equipe foi capaz de testar a qualidade dos dados produzidos e também a distribuição de dados através de mensagens SMS e mapas interativos na web. Houve um enorme interesse entre os jornalistas, programadores, ONGs, funcionários municipais e outras partes interessadas. Ao todo, conseguimos distribuir 12 sensores ao redor da cidade e conectá-los em tempo real com nosso mapa interativo.

As lições aprendidas durante o projeto agora estão documentadas em um relatório de autoria de Erica Hagen da iniciativa Ground Truth. Este documento de aprendizagem foi criado através de entrevistas com cada um dos parceiros do consórcio e descreve detalhadamente as nossas estratégias para lidar com problemas comuns a projetos de internet das coisas, tais como o envolvimento do usuário, opções de conectividade, processos de fabricação e os atuais desafios na coleta de dados relevantes.

Além da obtenção de dados confiáveis, um dos objetivos-chave na criação e implantação de sensores foi gerar uma comunidade de usuários que pode tornar a rede eficaz. Por isso com apoio do Garoa Hacker Clube organizamos encontros e workshops para distribuir sensores e treinar pessoas em como usá-los.

Apesar do grande interesse por parte do público, os desafios de lidar com essa nova tecnologia não puderam ser superados durante o projeto-piloto. O objetivo final é proporcionar uma utilização fácil e barata dos sensores para permitir a cientistas-cidadãos e comunicadores informar com precisão os problemas da poluição do ar. Mas não chegamos lá ainda. Usar os DustDuinos ainda requer um certo nível de habilidades de programação.

“O projeto fez alguns progressos na criação de um protótipo de sensor confiável de qualidade do ar; sobre como organizar a produção em massa, solucionar problemas de software e hardware; realizar a integração com a API do Frontline SMS e uma integração do back-end com a exibição de dados no front-end do OpenDustMap.com”, Hagen conclui no relatório.

“O projeto também tem feito progressos em direção à obtenção de dados estruturados confiáveis ​​e precisos a partir dos sensores e produziu uma extensa documentação que irá permitir uma maior experimentação. No final, entretanto, o consórcio ainda não foi capaz de testar com sucesso o potencial da tecnologia de sensores para o monitoramento por pessoas e comunidades mais afetadas pela degradação ambiental.”

Leia o relatório completo (em inglês).

Em 2016, o Código Urbano segue sua parceria com a Earth Journalism Network para aumentar a quantidade dos sensores DustDuinos instalados em São Paulo, bem como melhorar a precisão e qualidade dos dados sobre poluição do ar coletados.

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Imagens de satélite mostram gravidade de crise hídrica em SP

A represa de Jaguari, uma das principais do Sistema Cantareira, encolheu. Do alto, a partir de imagens de satélite do sistema Landsat 7, da Nasa*, é possível ver com clareza como a área alagada de um dos principais mananciais de São Paulo diminuiu consideravelmente nos últimos cinco anos. A primeiro foto é de 13 de junho de 2010, mês em que o nível da represa passou de 100%. A segunda, é de 13 de julho de 2015, quando, segundo a Sabesp, o nível do volume que pode ser utilizado sem bombeamento estava abaixo de 10%, volume (clique aqui para ver o volume hoje). Deslize a barra para visualizar como o nível de água diminuiu.

O inverno começou em 21 de junho e, este ano, as chuvas do primeiro semestre não foram suficientes para recompor o sistema de abastecimento de São Paulo. A cidade entrou na estação mais seca do ano com o Sistema Cantareira em situação delicada.

O encolhimento de uma das principais reservas de água da capital não aconteceu de uma hora para outra. A animação ao lado, feita também com imagens do satélite Landsat 7, da Nasa, ajuda a visualizar como, ano após ano, a represa de Jaguari vem diminuindo. As fotos exibidas em sequência são de 13 de junho de 2010, 18 de abril de 2013, 13 de maio de 2014 e 13 de julho de 2015. De 2003 a 2015, houve variações consideráveis no nível do Sistema Cantareira, como é possível ver no projeto Mananciais**, mas nunca a situação foi tão grave.

Além de não ser novidade, a diminuição do reservatório não é fato isolado na região, onde diferentes reservas e fontes de água secaram nos últimos anos. O fenômeno está ligado não só à redução do volume de chuvas, mas também ao desmatamento e ocupação irregular de áreas de mananciais.

A crise hídrica de São Paulo e a situação do Sistema Cantareira deram forças aos argumentos utilizados por ambientalistas para pressionar o governador Geraldo Alckmin (PSDB) na discussão sobre o Projeto de Lei 219 / 2014, apelidado de Lei do Desmatamento por flexibilizar e reduzir a preservação ambiental no Estado de São Paulo. 

Lei do Desmatamento
De autoria dos deputados estaduais Barros Munhoz (PSDB), Campos Machado (PTB), Estevam Galvão (DEM), Itamar Borges (PMDB), José Bittencourt (PSD) e Roberto Morais (PPS), o projeto foi especialmente criticado por, em um momento em que a cidade vive racionamento constante de água, propor a diminuição da proteção de nascentes e olhos d’água, reduzindo a faixa de preservação permanente de 50 metros para apenas 15 metros em áreas consolidadas. O texto também permite que proprietários possam compensar o desmatamento em São Paulo com reflorestamento em outros estados.

Deputados estaduais Barros Munhoz (PSDB), Campos Machado (PTB), Estevam Galvão (DEM), Itamar Borges (PMDB), José Bittencourt (PSD) e Roberto Morais (PPS), autores da Lei do Desmatamento. Fotos: Divulgação/ALESP

O projeto acabou aprovado pela Assembleia Legislativa no final de 2014 e sancionado pelo governador em janeiro. Alckmin chegou a vetar alguns artigos, mas o resultado final, a Lei n° 15.684, foi bastante criticada justamente por fragilizar a preservação ambiental. “A ausência de obrigatoriedade de recomposição das áreas de preservação permanente é um aspecto fundamental. Os impactos disso a gente vai ver no médio e longo prazo porque sem a recuperação das áreas de preservação permanente, você tem graves consequências para os rios, como o assoreamento do curso d’água”, afirmou na ocasião o advogado do Instituto Socioambiental (ISA) e integrante do Observatório do Código Florestal, Maurício Guetta, em entrevista à Rádio Agência Brasil de Fato.

Para mensurar os efeitos da alteração de legislação nos próximos anos pesquisadores e acadêmicos hoje podem contar com a ajuda de satélites e tecnologias específicas. É fácil estabelecer parâmetros e monitorar casos específicos, como o da Represa de Jaguari. Além da comparação pura e simples de imagens, dá para desenvolver sistemas que, com a ajuda de filtros e modelos matemáticos, podem alertar automaticamente variações drásticas. Como exemplo, com a ajuda do Resemble, ferramenta aberta de análise e comparação de imagens, organizamos essa representação que destaca em rosa as mudanças registradas no nível da represa de Jaguari de 2010 a 2014.

* Texto atualizado em 5 de agosto. As imagens em questão são do Landsat 7 e não do 8, como informado anteriormente. Correção feita após alerta de Luiz Gustavo Gonçalves nos comentários abaixo, a quem o Código Urbano agradece.

** Em função de uma mudança no sistema de atualização da Sabesp, a base de dados do Mananciais deixou de ser alimentada automaticamente em fevereiro de 2015. Estamos trabalhando para corrigir o problema e voltar a gerar a visualização dos dados sobre a situação dos mananciais de maneira clara e didática, de modo a permitir que a população acompanhe e possa comparar a evolução das informações sobre o abastecimento de São Paulo. Problema corrigido em 7 de agosto de 2015. \o/